Editora Kuarup |
O patinho feio pertence à coleção de Hans Christian Andersen lançada em
1844 e corresponde à fase em que ele já não se preocupava em reproduzir relatos
ouvidos na infância, como colimador dos contos orais.
O herói, com seus infortúnios e final feliz, é fruto exclusivo de sua
imaginação, e foi como tal que ele se perenizou na literatura ocidental. A história, bastante conhecida, organiza-se a partir do padrão clássico
da narrativa de aventuras dos contos folclóricos (pois Andersen pegou o “formato
do conto” como uma fórmula para inventar os seus): o primeiro parágrafo
descreve um cenário paradisíaco, onde tudo corre bem, até que se dá uma ruptura
na ordem. Toda a ação, a partir deste momento, destina-se a restaurar a ordem
perdida e recuperar o paraíso original. O ponto de chegada coincide com o de
saída, as desventuras por que passa o pequeno pato preenchendo o espaço
intermediário. Não por acaso a história começa no verão e termina na primavera,
o ciclo da natureza sendo usado para indicar que, de certa maneira, todos os
seres vivos estão submetidos à lei do eterno retorno. O rompimento da ordem não é consequência propriamente do nascimento do
patinho, e sim da segregação de que é
objeto. Esta apresenta vários matizes no decorrer do texto: no principio,
resulta da reação irracional à aparência do pato, que é diferente dos outros;
depois, são os irmãos mais velhos que o rejeitam, até que ele se sente agredido
pela própria mãe; enfim, é isolado quando recusa o tipo de acomodação acrítico
ou indiferente que lhe propõem a galinha e o gato, como modo de assegurarem a
boa vida de que dispunham. A restauração da ordem, por sua vez, depende de o pato se fazer aceito
pelos demais. Isto não acontece antes de ele descobrir a que grupo pertence e
de atingir sua plenitude física. Esta, de certo modo, equivale à nova identidade
a que o herói chega no conto sugerindo que, com sua velha aparência, o herói
nunca se integraria a algum meio. Precisa, assim, passar por algum tipo de metamorfose, mas Andersen
expõe o tema de modo ambivalente, facultando uma dupla interpretação. Pois, se
se pode pensar que o patinho é aceito por ter-se transformado num belo cisne,
também não é incoerente concluir o contrário: é por descobrir seu habitat
natural que a até então segregada personagem consegue perceber no espelho das
águas sua imagem, que coincide com a do grupo com o qual se identifica. O narrador só menciona a transformação após a integração do protagonista
ao meio, evitando explicitar o que aconteceu primeiro. O que deixa claro é que
a descoberta da imagem do eu só
ocorre quando a pessoa se identifica com um grupo, isto é, por meio da socialização
do indivíduo. Por seu turno, à descoberta se associa uma metamorfose, o externo
refletindo o interno, conforme o processo narrativo que Andersen aprendeu com
os contos folclóricos. |
Marilene, como sempre você consegue mostrar a riqueza que um simples conto infantil tem tanto a nos mostrar .
ResponderExcluirDeus te abençoe ricamente .